Edições

 

 

 

 

Como citar esse artigo

 

Baixar o arquivo ou imprimir

 

A Mãe e a Madrasta:  

relação entre nação e gênero em O Barão De Lavos,

de Abel Botelho, e O Mulato, de Aluísio De Azevedo

 

Daniela Kern

 

Doutoranda em Letras (Teoria da Literatura) pelo

Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

 

danielapmkern@yahoo.com.br

 

Resumo

Este artigo analisa de que maneira as noções de nação e de gênero aparecem associadas, seja por similitude, seja por contraste, em dois romances naturalistas, O Barão de Lavos, do romancista português Abel Botelho, e O Mulato, do escritor brasileiro Aluísio de Azevedo.

Palavras-chave: Nação, Gênero, O Barão de Lavos, O Mulato.

 

Abstract

This article analyzes how the ideas of gender and nation appear associates, either for similitude, either for contrast, in two naturalistic novels, O Barão de Lavos, of the Portuguese novelist Abel Botelho, and O Mulato, of the Brazilian writer Aluísio de Azevedo. 

Key-words: Nation, Gender, O Barão de Lavos, O Mulato.

 

 

Para os românticos, a maior das virtudes é a sinceridade ou, como mais tarde prefeririam os existencialistas, a autenticidade: devemos ser, antes de tudo, sobretudo e da forma mais plena possível, nós mesmos (BERLIN, 1999, p.139). Mas à medida em que o desejável é que sejamos de modo mais completo quem podemos ser, a pergunta óbvia que se coloca é: quem somos, afinal, realmente? Essa busca de identidade será uma das tônicas do século XIX, século em que o movimento romântico exerce forte influência. É sob a luz de tal busca que podemos compreender melhor o surgimento, justamente no século XIX, de conceitos como os de nação e gênero, conceitos que, ao defender, por exemplo, que um inglês tem muito mais em comum com outros ingleses do que com franceses, isto é, que possui uma identidade nacional, e que uma mulher tem necessidades diferentes das de um homem, isto é, que possui uma identidade sexual, visam estabelecer identidades específicas que sirvam de resposta àquela angustiante pergunta romântica: “quem somos?”.

 

Passaremos agora a analisar, rapidamente, em que termos foram formulados os conceitos de nação e de gênero, essas “tentativas de resposta” ao questionamento romântico. A idéia de nação, antes de tudo, surge associada às noções de “parentesco” e “religião” (ANDERSON, 1989, p.14), na medida em que, como essas últimas, está envolta em uma aura de naturalidade e de fatalidade, constituindo-se como algo que as pessoas acreditam estar ligadas “naturalmente”, algo que não se escolhe, assim como sexo, cor da pele e época em que se nasce...(idem, p.156) Os membros de uma nação são unidos por um companheirismo profundo e igualitário (idem, p.16), formam uma comunidade virtual, imaginada, ou seja, mesmo sem conhecerem uns aos outros, sabem da existência potencial uns dos outros. Apesar de o nacionalismo, ao construir sua própria definição de identidade, atribuir a si mesmo as noções de “naturalidade” e conseqüente “inevitabilidade”, tomadas de empréstimo às relações de parentesco e de religião, a comunidade que forma uma nação, desde o início, imaginou-se muito mais unida pela língua do que pelo sangue. As conseqüências disso são importantes: sendo assim, como salienta Benedict Anderson, “qualquer um pode ser ‘convidado a entrar’ para a comunidade imaginada” (idem, p.159). Ou seja, qualquer pessoa, por paradoxal que pareça, pode escolher a comunidade com a qual quer criar laços tão “naturais” quanto os de sangue ou de religião. A idéia de nação, portanto, ao dar a cada indivíduo o direito de escolher, afetivamente e desde que domine a língua, a “família” que mais lhe agrada, contém a promessa de uma mãe que sempre receberá seus filhos com amor, mesmo quando, “tecnicamente falando”, for madrasta.

 

Já as discussões sobre gênero, ao que parece, surgem, entre outros motivos, como reação ao forte discurso masculino do século XIX. De acordo com Michela de Giorgio, “the nineteenth century was the century of the primacy of male discourse”(De GIORGIO, 1995, p.172). Uma abundante retórica masculina idealizando o gênero feminino e seu papel foi então produzida e propagada através de jornais, revistas e romances: as mulheres deveriam ser essencialmente piedosas e devotadas à vida cotidiana da família. A auto-satisfação feminina deveria advir de atividades domésticas como a educação dos filhos. O feminismo aparece como reação a esse conjunto de idéias que mantinha as mulheres afastadas da vida pública, e uma de suas principais bandeiras, compreensivelmente, é a instituição do voto feminino. As minorias sexuais, que até então apareciam apenas como alvo de piadas e não possuíam um “rosto”, também começam a se manifestar e a conquistar e construir identidades próprias. Não podemos esquecer que homossexualismo também é um conceito nascido nesse século XIX em que o medo masculino da perda da virilidade (SHOWALTER, 1993, p.25) assume grandes proporções. Mulheres e homossexuais, retratados negativamente nos discursos masculinos, passaram a se responsabilizar pela criação da própria identidade, dessa vez em termos positivos, o que despertou reações virulentas dos segmentos conservadores da sociedade (estamos pensando aqui principalmente em Europa e Estados Unidos, onde essas discussões, a partir da segunda metade do século XIX, estavam de fato na ordem do dia).

 

É ao coração dessa época e desse cenário de buscas intensas de identidade pessoal e de grupo que pertencem os dois romances que analisaremos neste ensaio: O Barão de Lavos (1891), de Abel Botelho e O Mulato (1881), de Aluísio de Azevedo. Nossa intenção é mostrar que em ambos as noções de nação e de gênero aparecem associadas, seja por similitude ou por contraste. Dito em outras palavras, em ambos os livros esses conceitos “novos” na época já aparecem mutuamente implicados: a identidade do indivíduo (identidade sexual, neste caso) encontra-se refletida na identidade coletiva (identidade nacional), dentro dos romances uma é pensada sempre em relação à outra. A partir de agora, então, veremos como isso acontece.

 

1.    Nação e gênero em O Mulato

 

Raimundo, protagonista de O Mulato, foi mandado para Portugal ainda criança. Ficara órfão, e no curto período em que vivera no Brasil, fora cuidado por Mariana, esposa do irmão de seu pai.  Por ser estrangeiro e, ainda por cima, “mulato” (fator que o impedia de identificar-se com a maioria de seus colegas de escola, brancos), sofreu bastante no exterior. A notícia do falecimento da mãe adotiva só veio piorar as coisas: “Chorou-a longa e amargamente; não só por ela, mas também muito por si próprio: perdendo Mariana, perdia tudo que o ligava ao passado e à pátria. Nunca se considerou tão órfão” (AZEVEDO, 2001, p.77).  Já aqui encontramos no texto uma primeira associação entre nação e gênero. Mariana, mulher, literalmente simbolizava, para Raimundo, a sua pátria. A morte da mãe adotiva representa para ele a perda de todas as suas raízes, de sua identidade.  E é principalmente em busca de identidade que Raimundo, já adulto, retorna ao Brasil, a fim de tratar de algumas pendências relativas a sua herança.  Não demora a notar que, já no Maranhão, é tratado com reservas pelos que o cercam. Mas não entende o motivo. Não conhece suas origens, não sabe de onde veio, não sabe quem foi sua mãe, o que no romance significa dizer que não sabe quem é. Depois de muito insistir junto a seu tio é que obtém a resposta que tanto desejava. Agora sim ele conhece a própria identidade. Só não esperava que ela fosse tão negativa e tão excludente. Raimundo é filho de escrava:

 

Aquela simples palavra dava-lhe tudo o que ele até aí desejara e negava-lhe tudo ao mesmo tempo, aquela palavra maldita dissolvia as suas dúvidas, justificava o seu passado; mas retirava-lhe a esperança de ser feliz, arrancava-lhe a pátria e a futura família, aquela palavra dizia-lhe brutalmente: “Aqui, desgraçado, nesta miserável terra em que nasceste, só poderás amar uma negra da tua laia! Tua mãe, lembra-te bem, foi escrava! E tu também o foste!” [...]. E na brancura daquele caráter imaculado brotou, esfervilhando logo, uma ninhada de vermes destruidores, onde vinham o ódio, a vingança, a vergonha, o ressentimento, a inveja, a tristeza e a maldade. E no círculo do seu nojo, implacável e extenso, entrava o seu país, e quem este primeiro povoou, e quem então e agora o governava, e seu pai, que o fizera nascer escravo, e sua mãe, que colaborara nesse crime. “Pois então de nada lhe valia ter sido bem-educado e instruído; de nada lhe valia ser bom e honesto?... Pois, naquela odiosa província, seus conterrâneos veriam nele, eternamente, uma criatura desprezível, a quem repelem todos do seu seio?...(idem, p.259).

 

Raimundo percebeu de imediato que essa descoberta “arrancava-lhe a pátria”, pátria que a partir de agora se lhe afigurava como um verdadeiro “covil de homens maus” (idem, p.266); ele, “estrangeiro na sua própria terra, desprezado e perseguido ao mesmo tempo” (idem, p.287), revoltava-se contra a própria impotência. Sabia que de nada serviam seus méritos pessoais para “recuperá-lo” aos olhos de seus compatriotas:

 

Se me dissessem: ‘É porque é pobre!’, que diabo!, eu trabalharia! Se me dissessem: ‘É porque não tem uma posição social!, juro-te que a conquistaria, fosse como fosse! ‘É porque é um infame! Um ladrão! Um miserável!’, eu me comprometeria a fazer de mim o melhor modelo dos homens de bem! Mas um ex-escravo, um filho de negra, um mulato! E como hei de transformar todo meu sangue, gota por gota? Como hei de apagar a minha história da lembrança de toda essa gente que me detesta?...(idem, p.314).

 

O fato de ser filho de escrava significava muito simplesmente que ele era um indesejado, e que não fazia parte da pátria, da nação. Mas como isso é possível? Não havíamos visto, um pouco antes, que a idéia de nação é construída no século XIX sobre as bases do companheirismo e da possibilidade de acesso irrestrito daqueles que quisessem dela fazer parte? Como pode alguém ser excluído da nação por questões de sangue e, mais especificamente no caso de Raimundo, por questões de raça? O que temos aqui é o conflito entre a nação na prática (ainda estávamos em um Brasil monarquista e escravocrata quando o livro foi escrito), permeada de políticas segregacionistas, e o ideal de nação divulgado através de vasta literatura, mas que permanecia ainda, em quase toda a parte, pelo menos em suas características igualitaristas, uma virtualidade. Essa nação brasileira que rejeita os filhos pela cor é, talvez, o principal problema discutido em O Mulato.

 

Contudo, se Aluísio de Azevedo aponta o problema, a discriminação que esta pátria-madrasta impõe a alguns de seus filhos, também aponta a solução, e o modelo para tal solução ele vai buscar... na figura da mulher enquanto mãe amorosa, aliás, um tradicional ideal masculino de mulher, fortíssimo, como já vimos, no século XIX. A “solução” de Azevedo chama-se Ana Rosa.  Apaixonada pelo primo, na tentativa de forçar o casamento, proibido de antemão pelo pai, a moça engravida de Raimundo. E isso para ela não foi nenhum “sacrifício”, visto que, de acordo com as próprias palavras de Raimundo, todo o ideal de Ana Rosa “era ser mãe” (idem, p.304):

 

Aguardava ansiosa os prazeres da maternidade, como se os conquistasse por meios lícitos, e tremia toda em sobressalto só com a lembrança de que poderia vir a faltar à criancinha o menor cuidado ou o mais dispensável conforto; vivia exclusivamente para ela; vivia para esse entezinho desconhecido que lhe habitava o corpo; o filho era o seu querido pensamento de todo o instante; passava os dias a conjeturar como seria ele, menino ou menina, grande ou pequeno, forte ou franzino; se puxaria ao pai. Tinha pressentimentos e tornava-se mais supersticiosa. Apesar, porém, de todos os perigos e dificuldades, sentia-se muito feliz com ser mãe (idem, p.339).

 

Mesmo antes de dar à luz, Ana Rosa já fazia com seu filho o que a nação, idealmente, também deveria fazer com os seus: amava-o indiscriminadamente, amava-o por ser seu filho, independentemente da cor (o pai da criança é mulato) ou da condição social (a avó da criança é escrava), amava-o mesmo tendo ele sido gerado ilicitamente, fora do casamento.

 

Quanto a Raimundo, é esse amor incondicional de mãe, e a conseqüente sensação de pertencimento e aconchego, que ele almejava encontrar junto a Ana Rosa, tudo o que a própria nação lhe negara: “Oh! Sim! Desejava Ana Rosa!... sonhara-se junto dela, na intimidade feliz do lar, vendo-a governar uma casa que era de ambos, e que Ana Rosa povoava com alegria de um amor honesto e fecundo” (idem, p.254-255). No final do romance Raimundo morre assassinado e Ana Rosa aborta a criança, mas o modelo proposto por Aluísio para a nação brasileira sobrevive: Ana Rosa, casada com outro, dá prosseguimento a sua vocação de mãe e tem vários filhos, eles são, para ela, tudo o que importa. Assim, vemos que o papel da nação é questionado por Azevedo; mas o papel da mulher, a condição feminina, não.

 

2.    Nação e gênero em O Barão de Lavos

 

Aqui a nação (agora a nação portuguesa) também é criticada, mas em termos bastante diversos. Antiga, a nação encontra-se em decadência, a solidariedade que deveria unir seus membros está em franco declínio e a corrupção impera no governo, como fica claro no texto escrito por um dos jornalistas do jornal onde trabalha o Barão de Lavos:

 

Continuaremos. Não nos quebrarão complacências, nem nos entibiarão ameaças. Havemos de apontar com dedo vingador a senda de torpezas trilhada por esses seis homens que estão desacreditando e arruinando desvergonhadamente o país. Havemos de crucificar bem alto nas gemónias da execração pública a gerência, toda corrupção e desperdício, desse governo nefasto e cínico que infelizmente nos rege! (BOTELHO, s.d., p.92). 

 

Essa decadência, no entanto, é um fenômeno maior, que vai além do território português; ela é fruto da  “corrupção do século”(idem, p.310). Mas ao invés de se concentrar propriamente na nação, Botelho opta por focalizar um sintoma ou, se preferirmos, uma metáfora dessa decadência nacional: o Barão de Lavos. Filho de família tradicionalíssima, mas repleta de “vícios morais”, o Barão apresenta um comportamento deterministicamente “desviado”: ele é bissexual, gosta de dormir com meninos, e isso, para o narrador, é sinal evidente de decadência da raça, de degeneração da classe que governa o país. A nação está corrompida, os homens importantes da pátria também, é difícil saber o que aconteceu primeiro. E o retrato que o narrador pinta do Barão é impiedoso:

 

Impulsivo e maníaco, faltara-lhe sempre no dinamismo funcional dos nervos essa grande harmonia circunfusa que caracteriza os fortes. Agora merecia todos os desprezos, porque vergava a todas as torpezas. Tendo perdido o respeito de si próprio, claro que nenhum freio moral a reprimi-lo, nenhum valoroso dique oposto à assoladora onda das tentações e das curiosidades. Solitário e egoísta, sem ocupações, sem ligações, sem família, ele fizera da vida um regalado ofício de malandrim; uma cadeia prostibular de aviltamentos, vergonhas, inépcias, tresvarios; uma coisa sinuosa e solta, imunda, esfarrapada (idem, p.310).

 

O medo masculino da perda da virilidade, o medo oitocentista da “feminização” dos homens aparece aí com toda a sua força.  Se o barão e o narrador não estão de acordo em seus “gostos” pelos homens, o narrador condena o homossexualismo, enquanto o barão enaltece a beleza masculina, pois para ele “o macho é o aticismo, a beleza em atavio, confiante na própria essência” (idem, p.159), pelo menos assemelham-se em seu desprezo às mulheres. Para ambos, elas sempre foram tediosas, sentimentais e de pensamento estreito. Observemos o retrato que o narrador pinta de Elvira, a Baronesa:

 

A rapariga no fundo não passava de uma burguesita leviana e ignorante, extremosa mas fútil, não tendo da moral a compreensão mais estrita, e cultivando por igual na janela do seu quarto os namoros e os amores-perfeitos. O natural era excelente, liso na intenção, apontando ao bem, simples, claro. Formado numa educação menos absurda que a lisboeta, podia ter dado uma mulher exemplar. Nem sensual, nem desequilibrada. Alma grande e inteligência estreita. O que queria era que a amassem, era ter que amar; porém na acanhada circuição do seu espírito este desejo não violava os limites postos ao amor legítimo pela religião e a lei. Assim, ela não namorava por vício, mas por cálculo, na ânsia de realizar perante Deus e os homens a sua inclinação natural. E no namorado não via nunca o macho, não apetecia o homem; delineava, futurava o marido. Casar era o seu sonho doirado: casar com um fidalgo – a sua primeira aspiração de burguesa (idem, p.31-32).

 

Mesmo quando se trata de elogios à baronesa, eles soam negativos: “Irrequieta, nervosa, branca, pequenina, ressumava de todo o seu ser miudinho e frágil uma complexidade picante de mistério” (idem, p.31). Enquanto homens como o barão, mesmo “degenerados”, estão conectados à vida nacional, nem que seja para representar e refletir a própria corrupção da pátria, mulheres como Elvira, a Baronesa, parecem ficar à parte, alheias a tudo, excluídas até mesmo de metáforas nacionais: elas nunca “degeneraram” porque sempre estiveram em condição inferior à dos homens. Nisto o barão e o narrador concordam.

 

3.    Mãe ou madrasta?

 

No que diz respeito à nação, o que podemos concluir é que tanto em O Mulato quanto em O Barão de Lavos ela é objeto de crítica: enquanto em O Mulato a figura da mãe amorosa, representada por Ana Rosa, é apontada como modelo exemplar de nação, modelo que se contrapõe à discriminação de cidadãos pela raça que então era prática corrente no Brasil, em O Barão de Lavos o Barão é visto como sinal da decadência da nação portuguesa; mais uma vez temos aqui o otimismo de um país novo, que vê à sua frente, apesar dos pesares, um futuro promissor, com tudo ainda por fazer, contraposto ao pessimismo de um país “velho”, que olha com certa saudade para um passado remoto e não vê boas perspectivas para o futuro, reflexo das realidades históricas bastante diferentes de Brasil e Portugal.

 

Podemos concluir ainda, agora no que diz respeito ao gênero, que em O Mulato há um ardoroso elogio do papel tradicional da mulher, qual seja, o de mãe e esposa; já em O Barão de Lavos, além da crítica ferrenha ao comportamento sexual masculino “desviante”, o homossexualismo, há também a crítica generalizada às mulheres, talvez por elas, às vezes, não se adequarem, como “deveriam” (não esqueçamos que a Baronesa traiu o Barão...), ao seu papel... de mãe e de esposa dócil. Neste aspecto O Mulato e O Barão de Lavos não se contradizem: o elogio do “bom comportamento” e a crítica do desvio sexual, longe de se oporem, se complementam. Ainda que a nação deva, no idealismo de Azevedo, abrigar a todos, sem distinção, e no pessimismo de Botelho, purificar-se moral, racial e sexualmente para livrar-se da corrupção e da decadência que a domina, a mulher continua deixada de lado dessa discussão tornada, na prática, exclusivamente masculina. A mulher continua, nos dois romances, independente de pertencer a uma nação-mãe ou uma nação-madrasta, uma cidadã de segunda classe.

 

 

 

Referências

ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989.

AZEVEDO, Aluísio. O mulato. Porto Alegre: L&PM, 2001.

BERLIN, Isaiah. The roots of romanticism. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1999.

BOTELHO, Abel. O barão de Lavos. Lisboa: Livros do Brasil, s/d.

DE GIORGIO, Michela. The catolic model. In: FRAISSE, Geneviève e PERROT, Michelle (org.). A history of women: emerging feminism from Revolution to World War. Cambridge, Massachusetts: Belknap Harvard, 1995. p.166-197.

SHOWALTER,  Elaine. Anarquia sexual: sexo e cultura no fin de siècle. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

 

 

COMO CITAR ESSE ARTIGO

KERN, Daniela. A Mãe e a Madrasta: relação entre nação e gênero em O Barão De Lavos, de Abel Botelho, e O Mulato, de Aluísio De Azevedo. In: Revista Inventário. 4. ed., jul/2005. Disponível no web world wide em: http://www.inventario.ufba.br/04/04dkern.htm.




 

 

 

 

 



Os conceitos emitidos em artigos e resenhas assinados são de absoluta e exclusiva responsabilidade de seus autores.
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte desta revista poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados, sem permissão por escrito do Conselho Executivo e dos autores dos artigos e/ou resenhas.