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A voz passiva no português do século XX

Mariana Fagundes de Oliveira (PPGLL/Ufba)

 

Resumo:trata-se este trabalho de um estudo descritivo sobre construções passivas no português europeu e brasileiro do século XX. Constatou-se que o comportamento da voz passiva — tema dos mais complexos que a sintaxe portuguesa apresenta — é bastante semelhante, comparando-se os dados obtidos da variante portuguesa européia aos da variante portuguesa americana.

Palavras-chave: sintaxe portuguesa, voz passiva e sincronia.

Résumé: Ce travail traite d'une étude descriptive vers les constructions passives dans le portugais européen et brésilien du siècle XX. On a été vérifié que le comportament de la voix passive - thème du plus complexe que la syntaxe portugaise présent - c'est très semblable, on a être compare les données obtenues de la variante portugaise européenne aux de la variante portugaise américain.

Mots-clef: syntaxe portugaise, voix passive et syncronie.

APRESENTAÇÃO

Este texto faz parte da Dissertação de Mestrado, vinculada ao Programa para a História da Língua Portuguesa (PROHPOR) e a ser ainda defendida, intitulada A voz passiva portuguesa: um estudo diacrônico.

A voz passiva é “um dos mais complexos temas de todos quantos apresenta a sintaxe portuguesa”, como afirma Perini (1989, p. 242). Na mencionada Dissertação, em que se estuda a voz passiva no português arcaico e no português do século XX, tem-se tentado, para além de uma comparação entre construções de voz passiva em diferentes sincronias, uma discussão a respeito de tema tão complexo.

CONSTITUIÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E TRATAMENTO DOS CORPORA

Foram constituídos dois corpora de língua falada para um estudo da voz passiva na língua portuguesa do século XX: um corpus do português europeu da década de 70, constituído por entrevistas do Projeto do Português Fundamental (cf. BACELAR DO NASCIMENTO, 1987), e um corpus do português brasileiro também desta sincronia, constituído por inquéritos do tipo DID, Diálogo entre informante e documentador, do Projeto da Norma Lingüística Urbana Culta do Brasil, NURC (cf. MOREIRA DE SÁ, 1996; MOTA; ROLEMBERG, 1994; CALLOU; LOPES, 1993; PRETI; URBANO, 1988; HILGERT, 1997). Pesquisaram-se, aproximadamente, 5.000 linhas de texto tanto da variante européia como da variante americana do português — no caso da variante européia, as primeiras 5.000 linhas da publicação; no caso da variante americana, as primeiras 1.000 linhas de cada uma das cinco publicações —, somando-se, em média, 10.000 linhas investigadas.

Os textos representativos do português europeu, não-literários, foram produzidos por pessoas com diferentes níveis de escolaridade, desde analfabetos, a minoria, a diplomados no terceiro grau. Os textos representativos do português brasileiro, também não-literários, foram, por outro lado, produzidos somente por pessoas com formação superior completa.

Selecionados os corpora, procedeu-se ao levantamento sistemático de dados (levantamento feito manualmente) de voz passiva nominal, cuja perífrase é formada com o verbo auxiliar ser e o particípio passado de um verbo transitivo direto (ou transitivo direto e indireto), e de voz passiva pronominal, formada de se apassivador ligado a um verbo também transitivo direto (ou transitivo direto e indireto), aceitando-se, neste primeiro momento de coleta dos dados, essa classificação tradicional das orações passivas.

Depreendidos os dados, os passos seguintes foram sua classificação e quantificação; quanto à quantificação, foram apresentadas apenas freqüências, não se apresentaram pesos relativos — trata-se a análise feita de uma análise fundamentalmente qualitativa.

Concluindo-se, a descrição e análise dos dados não se fizeram de acordo com uma teoria específica, mas se valeram de contribuições oferecidas por diferentes teorias na área da Lingüística, o que se considerou, no momento, ser mais pertinente e proveitoso. Devido à restrição no número de páginas por artigo nesta publicação, não se apresentaram nas seções de análise dos dados exemplos depreendidos do corpus que ilustrassem as afirmações feitas.

A VOZ PASSIVA NO PORTUGUÊS EUROPEU DO SÉCULO XX

Apresentação analítica dos dados

Identificaram-se nas entrevistas realizadas pelo Projeto do Português Fundamental que serviram de corpus à investigação da voz passiva no português europeu do século XX tanto construções passivas nominais quanto construções passivas pronominais, num total de 351 ocorrências de voz passiva (aceitando-se, por enquanto, a classificação das construções passivas proposta pelos normativistas), correspondendo as passivas de se, segundo contagens manuais e cálculos de porcentagens, a 69,8% delas (245 ocorrências computadas), e as passivas de ser, a 30,2% (106 ocorrências).

Os casos de voz passiva no corpus são bem menos freqüentes do que os de voz ativa, pelo que se pôde observar, ainda que não se tivessem levantado, de forma sistemática, ocorrências de voz ativa e se procedesse a seu cálculo. A opção dos falantes portugueses nas entrevistas (opção decerto inconsciente) foi, assim, tanto mais pela realização de orações cujo ponto de partida é o agente do que pela realização de orações cujo ponto de partida é o paciente. A preferência pelas orações ativas será tomada como ainda maior se se considerar que as construções tradicionalmente apontadas como de voz passiva pronominal não são construções passivas, interpretando-se, nesse caso, o pronome se dito apassivador como símbolo de indeterminação do sujeito numa construção de voz ativa. Adiante, quando se tratar das chamadas passivas pronominais que foram depreendidas do corpus, se discutirá a mencionada hipótese impessoal, da qual se assume aqui a posição de defesa.

Apesar da diferença na ordenação dos constituintes (em regra, sujeito-verbo-objeto na voz ativa, objeto-verbo-sujeito na voz passiva), comparando-se as orações ativas com suas passivas correspondentes — ressalte-se que nem toda ativa pode transformar-se numa passiva —, sendo estas, numa perspectiva transformacional, daquelas derivadas, umas e outras expressam o mesmo conteúdo semântico; não podem ser encaradas, contudo, como variantes se se considerar o contexto discursivo. Quando se o examina, percebe-se que, numa, na voz ativa, o agente apresenta-se como a função primeira (é verdade que, muitas vezes, o agente é nela omitido), noutra, na voz passiva, ele não é realizado na maioria das vezes, pois aí a intenção do falante é chamar a atenção para o objeto afetado.

As passivas de se, como revelam os cálculos feitos, são mais freqüentes no corpus do que o são as passivas de ser; desta forma, a opção, na apassivação oracional, pela tematização do processo é mais freqüente do que a opção pela tematização do objeto — naquela tematização, o verbo aparece como primeiro constituinte da oração, enquanto nesta o objeto é seu ponto de partida. De fato, as construções passivas nominais em língua portuguesa costumam trazer o sujeito, objeto semântico, anteposto ao verbo, e as passivas pronominais trazem-no, habitualmente, na posição pós-verbal. Os dados obtidos do corpus do português europeu confirmam esta asserção.

O padrão oracional passivo nominal depreendido do corpus corresponde à conjugação perifrástica de ser e particípio passado de um verbo transitivo direto, acompanhada ou não de um sintagma preposicionado agente, o chamado agente da passiva.

Os casos de agente da passiva indeterminado são a grande maioria no corpus, 84,9% (90 ocorrências de um total de 106 passivas nominais). É bastante evidente, pelo que se nota, a intenção de ocultar-se o agente nas orações passivas; pode acontecer também, é verdade, de não se saber a identidade dele ou, pelo contrário, de ela ser óbvia, e, por isso, não ser ele realizado.

Equivale a 15,1% (16 ocorrências) a freqüência de agente da passiva nas orações passivas nominais computadas, a presença dele sempre à direita do verbo; sem dúvida, é um valor baixo, o que confirma a afirmação de que a ausência ou não realização do agente da passiva é uma das formas mais comuns de indeterminação do sujeito. Há agentes da passiva no corpus que possuem o traço [- animado], o que demonstra que eles não são necessariamente os que praticam a ação verbal. Só há uma ocorrência, nas entrevistas do Projeto do Português Fundamental analisadas, de agente da passiva introduzido pela preposição de. Esta preposição é mesmo pouco utilizada formando o sintagma preposicionado agente; em sintagmas deste tipo, a preposição prototípica é por.

Não foram encontradas no corpus ocorrências de orações passivas nominais em que, estando o sujeito posposto ao verbo, facilmente ele é interpretado como complemento verbal, e, por isso, deixa-se de fazer a concordância, seja de número ou de gênero.

Os gramáticos tradicionais defendem uma sinonímia entre as passivas de ser e as passivas de se; considerando-se, porém, a motivação discursiva para umas e outras construções — geralmente, as passivas nominais tematizam o objeto, e as passivas pronominais, o processo —, rejeita-se esta suposta equivalência de significado. Há casos, por exemplo, de passivas pronominais que não se podem transformar em passivas nominais, um impedimento, tudo indica, decorrente do tipo de verbo, das suas propriedades semânticas.

Na voz passiva, sabe-se que o sujeito é o paciente da ação verbal. Nas passivas de ser, o agente da ação verbal, pode ou não aparecer, sendo bem mais freqüente a sua ausência; nas passivas de se, a determinação do agente é rara. No corpus do Português Fundamental, não há nenhuma ocorrência de agente da passiva em orações passivas pronominais, categoricamente, pois, impessoais.

Encontraram-se no corpus casos de orações passivas pronominais da gramática tradicional nos quais não se faz a concordância do verbo com o sujeito — eles são vistos pelos normativistas como passivas pronominais não padrão —, levando a que se interprete o pronome oblíquo se ligado ao verbo nestes casos como símbolo de indeterminação do sujeito, e não como símbolo de apassivação oracional. Há 12 casos dessa interpretação no corpus.

Desses 12 casos 11 têm o suposto sujeito à direita do verbo, posição típica dos complementos verbais. É isto, possivelmente, que tem levado a que, com freqüência bem maior do que a obtida do corpus, o falante do português analise o sintagma nominal posposto ao verbo nas orações que a gramática tradicional classifica como passivas pronominais, atribuindo ela a este sintagma uma função subjetiva, como objeto direto; daí a não concordância, pois, a princípio, verbos não concordam com seus complementos. Esta análise tem-se estendido também aos sintagmas nominais, tradicionalmente percebidos como sujeito, antepostos ao verbo nas ditas passivas de se.

Está havendo, na língua portuguesa, igualmente em outras línguas românicas, como o espanhol, uma reanálise, processo de gramaticalização, do se apassivador como índice de indeterminação do sujeito, reanálise presente não só na fala, mas também na escrita, mesmo nas mais formais. Passivas de se estão sendo reanalisadas como orações ativas com sujeito indeterminado. Naquelas 12 orações, tal reanálise é evidente: o sintagma nominal, suposto sujeito, está na terceira pessoa do plural, mas o verbo não é flexionado de acordo, encontrando-se na terceira pessoa do singular, concordando, tudo leva a crer, com o oblíquo se (se fossem mais freqüentes no corpus — não chegaram à metade dos casos — ocorrências, no plural, do suposto sujeito, certamente haveriam sido encontrados mais exemplos de reanálise explícita do se apassivador como se nominativo impessoal). Noutras orações obtidas do corpus, nas quais o sintagma nominal realizado está no singular, e o verbo também, a reanálise de que se fala não é explícita, mas se acredita em que o pronome se, também nestas orações, funciona como um signo de impessoalização oracional. Quanto às obtidas do corpus nas quais o sintagma nominal está no plural, e o verbo flexionado de acordo, elas certamente se devem à pressão normativista e à influência da língua escrita. Ambas as formas, com ou sem a concordância, são gramaticais, sendo mais naturais as construções realizadas sem a concordância.

Todas as orações, então, tomadas inicialmente, considerando-se a análise tradicional, como de voz passiva pronominal, nesta nova análise que aqui se faz, não o são; passam a ser vistas como exemplos de pseudo-passivas pronominais, como orações ativas impessoais, contabilizando-se 4,9% (12 ocorrências) de casos de reanálise explícita do se apassivador como se impessoal entre os 245 casos de pseudo-passivas pronominais. No corpus, há, por conseguinte, 106 ocorrências de voz passiva, o número de passivas de ser dele depreendido. A voz passiva no português é legitimamente representada pelas passivas nominais — mais próprias ao discurso formal e à língua escrita —, pelo menos desde algum tempo (desde sempre?).

Talvez, pondo-se em consideração a história da língua, no português arcaico, por exemplo, as passivas de se pudessem ter sido legítimas, ao lado das passivas de ser; mas, como não se dispõe do testemunho de falantes da época a respeito, somente de textos escritos num padrão culto, nem se confirma, nem se desconfirma a hipótese. Supõe-se, porém, mesmo se sabendo da inexistência de se apassivador explicitamente reanalisado como índice de indeterminação do sujeito no português arcaico, que as construções que nele aparecem, classificadas pela tradição gramatical como sendo de voz passiva pronominal, na verdade, não o são — seriam, sim, construções de voz ativa, cujo verbo, por uma imposição da “arte do bem falar e escrever”, concorda com o sintagma nominal que é dito sujeito, mas que tem “cara” e comportamento de complemento verbal. Mas é apenas uma suposição, em muito influenciada e inevitavelmente influenciada, diga-se, pela experiência, com a língua, de um falante do português do século XXI.

É por considerar-se a possibilidade de as passivas de se fazerem, legitimamente, parte da história da língua portuguesa que se fala aqui em reanálise do se apassivador como se impessoal; é possível que o pronome oblíquo se já tenha servido para apassivar orações. Hoje, as evidências têm demonstrado que este pronome não apassiva orações, antes as impessoaliza com grande freqüência.

Resultados

Os resultados a que se chegou a partir da análise dos dados sistematicamente depreendidos do corpus do Português Fundamental foram, resumindo, os seguintes:

  • 106 ocorrências de voz passiva (admitindo-se que as passivas de ser sejam as verdadeiras passivas, negando-se, assim, a existência de passivas de se), com o sujeito na maior parte das vezes anteposto ao verbo, tematizando-se, desta forma, o objeto semântico, e com baixa incidência de agente da passiva, sujeito lógico da frase, as atenções, afinal, sendo chamadas para o paciente da ação verbal.
  • 16 ocorrências de passivas com agente determinado, o equivalente a 15,1%, ora animado, ora inanimado, sempre posposto ao verbo e, apenas em uma delas, introduzido pela preposição de, sendo a preposição por, que o introduz nas demais, pois, a prototípica.
  • 245 ocorrências de pseudo-passivas pronominais, em que se interpreta o se apassivador da análise tradicional como se impessoal; 245 ocorrências, portanto, de se impessoal em construções ativas com o complemento direto do verbo geralmente a este posposto, ordem canônica no português.
  • 12 ocorrências de reanálise explícita de se, signo de apassivação, como se, signo de impessoalização, o equivalente a 4,9% do total de pseudo-passivas pronominais.

A VOZ PASSIVA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO DO SÉCULO XX

Apresentação analítica dos dados

Quando da análise dos dados obtidos do corpus do português europeu do século XX, foi negada a existência de passivas pronominais — o que contraria a análise tradicional —, admitindo-se, porém, a possibilidade de, em épocas passadas da história da língua, terem elas sido legítimas. As passivas de ser são, nessa nova perspectiva, entendidas como as verdadeiras construções passivas na língua portuguesa. Sendo assim, no corpus do português brasileiro do século XX, foram identificadas 181 orações passivas (passivas de ser) e 198 orações pseudo-passivas pronominais, orações ativas com sujeito indeterminado.

Considerando-se as passivas pronominais da gramática tradicional orações ativas impessoais, cresce ainda mais a incidência de construções na voz ativa no corpus: são estas muito mais freqüentes do que as construções passivas, pelo que foi notado, embora sem fazer-se um levantamento sistemático de orações ativas; o agente, desta forma, na grande maioria das vezes, é o ponto de partida nas orações realizadas nos inquéritos do NURC selecionados para esta pesquisa.

As orações passivas encontradas no corpus ora apresentam agente da passiva, ora não o apresentam. As passivas com agente indeterminado são quase seis vezes mais freqüentes no corpus do que as passivas com agente determinado: o número de ocorrências de agente da passiva é, precisamente, 27, correspondendo a 14,9%, num total de 181 ocorrências de voz passiva. No corpus, encontraram-se somente duas orações com o sintagma preposicionado agente introduzido pela preposição de; a preposição por figura, pois, em quase todos os agentes da passiva depreendidos, estando eles sempre à direita do verbo.

A maior parte das orações passivas, em que o sujeito é lexicalmente preenchido, depreendidas do corpus trazem-no anteposto ao verbo, sendo, portanto, tematizado o paciente da ação verbal.

Foram identificados dois casos em que, estando o sujeito posposto ao verbo na voz passiva nominal, ele parece ter sido interpretado como objeto direto, pelo fato de não se ter feito a concordância padrão de número e de gênero.

Como se disse antes, foram depreendidas do corpus 198 ocorrências de pseudo-passivas pronominais, a maior parte delas com o complemento direto lexicalmente preenchido posposto ao verbo, atendendo à ordem mais comum no português.

Há, no corpus, 11 exemplos (5,55% das pseudo-passivas pronominais dele depreendidas) de reanálise explícita de se apassivador como se impessoal. Estes exemplos, que a tradição gramatical analisa como passivas pronominais não padrão, tendo em vista a discordância do verbo com o termo a que atribui a função de sujeito, demonstram que o pronome se não tem caráter de impessoalidade apenas quando ligado a verbos intransitivos ou transitivos preposicionados, como afirmam os normativistas; tem-no também quando ao lado de verbos transitivos diretos.

Resultados

Em resumo, os resultados da pesquisa feita no corpus do NURC, considerando-se os dados sistematicamente depreendidos, foram esses:

  • 181 ocorrências de voz passiva (admitindo-se que as passivas de ser sejam as verdadeiras passivas, negando-se, assim, a existência de passivas de se), com o sujeito na maior parte das vezes anteposto ao verbo, tematizando-se, desta forma, o objeto semântico, e com baixa incidência de agente da passiva, sujeito lógico da frase, as atenções, afinal, sendo chamadas para o paciente da ação verbal.
  • 27 ocorrências de passivas com agente determinado, o equivalente a 14,9%, ora animado, ora inanimado, sempre posposto ao verbo e, apenas em duas delas, introduzido pela preposição de, sendo a preposição por, que o introduz nas demais, pois, a prototípica.
  • 198 ocorrências de pseudo-passivas pronominais, em que se interpreta o se apassivador da análise tradicional como se impessoal; 198 ocorrências, portanto, de se impessoal em construções ativas com o complemento direto do verbo geralmente a este posposto, ordem canônica no português.
  • 11 ocorrências de reanálise explícita de se, signo de apassivização, como se, signo de impessoalização, o equivalente a 5,55% do total de pseudo-passivas pronominais.

A VOZ PASSIVA NO PORTUGUÊS EUROPEU DO SÉCULO XX COMPARADA À VOZ PASSIVA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO DO SÉCULO XX

Foram depreendidas do conjunto de textos representativos do português do século XX 287 ocorrências de voz passiva (passivas de ser), apenas 43 delas (14,2%) com o agente realizado, sendo somente três agentes da passiva introduzidos pela preposição de, todos os outros, pela preposição por; 443 pseudo-passivas pronominais, tendo sido encontrados 23 casos (5,2%) de reanálise explícita de se apassivador como se impessoal. A maior parte das passivas de ser tem o sujeito anteposto ao verbo, sendo tematizado, portanto, o objeto semântico; o agente da passiva, nas passivas nominais pessoais, está sempre na posição pós-verbal. O complemento direto, nas pseudo-passivas pronominais, vem, na maioria das vezes, posposto ao verbo, ordem canônica na língua portuguesa.

Comparando-se os resultados obtidos da análise dos dados depreendidos de um e de outro corpus, percebe-se que eles são bastante semelhantes. A diferença no nível de escolaridade dos informantes — desde analfabetos a diplomados no terceiro grau, no caso do Português Fundamental, e somente diplomados no terceiro grau, no caso dos inquéritos do NURC — não levou a diferenças significativas nos resultados, no que se refere a desacordos com a norma padrão, norma com que se trabalha nas instituições de ensino.

Por fim, com base na descrição e análise que aqui se fizeram dos dados obtidos na pesquisa sobre a voz passiva no português do século XX, conclui-se que, tanto no português europeu quanto no português brasileiro, as verdadeiras passivas são as passivas de ser; as passivas pronominais da gramática tradicional são ilegítimas, chamadas aqui, por isso, de pseudo-passivas pronominais. Os numerosos exemplos de reanálise explícita de se, signo de apassivação, como se, signo de impessoalização, que se evidenciam no português contemporâneo corroboram essa conclusão acerca da voz passiva na língua.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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HILGERT, J. G. (org.). A linguagem falada culta na cidade de Porto Alegre: materiais para seu estudo. Porto Alegre: EDIUPF; EDUFRS, 1997.

MOTA, J.; ROLLEMBERG, V. (orgs.). A linguagem falada culta na cidade de Salvador: materiais para seu estudo. Salvador: EDUFBA, 1994.

PERINI, M. A. Sintaxe portuguesa: metodologia e funções. São Paulo: Ática, 1989.

PRETI, D.; URBANO, H. (orgs.). A linguagem falada culta na cidade de São Paulo: materiais para seu estudo . São Paulo: FAPESP,1988.

SÁ, M. da P. M. et al (orgs.). A linguagem falada culta na cidade do Recife: materiais para seu estudo. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1996.





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